A vida é imprevisível, e cada indivíduo é responsável pelo caminho que trilha em sua jornada. Mas até que ponto temos um domínio total de nos guiar pelos caminhos que escolhemos, ou pelos caminhos que se tornam disponíveis em nossa vida?
Esta semana visitei alguns Centros de Sócioeducação para menores infratores, no Estado do Paraná, onde iremos ministrar alguns cursos profissionalizantes para os jovens lá internados.
Já faz algum tempo que venho trabalhando a formação profissional e individual junto à área de Segurança Pública no país, dos profissionais que nela desenvolvem seu trabalho, e seriamente tentam construir caminhos racionais e seguros para nossa sociedade.
Então me surgiu esse desafio particular neste momento da vida em que estou a repensar o que é educação profissional, ética, valores e outros pontos necessários para se construir um pilar sólido de conhecimento e conquistar um espaço no tão competitivo mercado de trabalho que está a nossa volta.
Já havia feito outra visita, em que pude ter um contato direto com esses menores, e as considerações eu não poderia deixar de refletir aqui. Afinal, pensamos um conceito para educação profissional, e esperamos um resultado a ser alcançado.
Por outro lado, fico imaginando o quanto a sociedade perde com inúmeros jovens fora do mercado de trabalho, alimentando a cadeia do crime e da violência urbana, além das despesas públicas com a tentativa de sanar esses problemas.
Cria-se uma teia de situações negativas, que começa na formação inicial dos jovens no seio de suas famílias totalmente desestruturadas, com ausência de valores, limites e expectativas. Ou seja, partimos de um ambiente inicial sem a mínima condição de desenvolvimento humano.
O que vem a seguir são acontecimentos que agravam ainda mais essa situação. Muitos jovens, sem limites, expectativas ou direcionamento enfrentam a realidade do mundo sem qualquer tipo de vínculo com a sociedade organizada por leis e regras. Como resultado, tem-se o entendimento que eles não fazem parte dela, pois estão à margem disso tudo.
É óbvio que se não há condições deles estarem inseridos a um sistema e competir com as regras do jogo capitalista, para eles não há regras. E matar, morrer, correr, roubar, traficar, se drogar são situações rotineiras e formadas a partir da margem das regras que a própria sociedade deixou de lado para que assim se formassem.
Mais ou menos como “não invada meu espaço, mas no seu, faça o que bem quiser”. Com o passar do tempo, naturalmente esses espaços passaram a se confluir, e os conjuntos de regras e valores diferentes passaram a habitar o mesmo espaço físico social.
Logo, apertar o gatilho de uma arma semi-automática disparando dez tiros em alguém que se recuse a entregar o que eles querem é simplesmente um fato pertinente ao jogo no qual eles estão inseridos. Ou mesmo atirar em quem nada diz, ou não se recusa a entregar seus pertences.
Esse disparo tem um significado a mais, no exato momento em que acontece. Ele marca a confluência dos valores de dois mundos que muitas pessoas queriam que não andassem lado a lado: o mundo das regras, versus o mundo da ausência das regras.
Quando uma arma é disparada atingindo uma “vítima” ela atravessa dois paralelos mostrando que regras não têm capacidade de agir sobre a ausência das regras, ou seja, o Estado não pode, de fato, impedir que o tiro seja disparado, a não ser no papel, na burocracia em um plano virtual, estabelecido por um conjunto de leis e regras formando a Constituição.
O que vale para um mundo não vale para o outro. Mas, a partir do momento em que o conflito é instaurado, as leis e regras passam a valer para os que não a possuem. Como resultado, as instituições para menores, os presídios, e assim por diante.
Olhar por esta forma me faz perceber que enquanto as condições não forem colocadas numa mesma plataforma, e as condições e regras não forem iguais, todos iremos pagar um alto preço pelo resultado: a violência urbana e o alto custo da segurança pública.
Acredito que para diminuirmos o impacto da violência na sociedade é necessário refazer o modelo de sociedade no qual vivemos, estabelecer novas regras para que cada cidadão possa atuar de forma individual e coletiva com direitos e responsabilidades, e por fim, desfazer este modelo atual que insiste em ser errado.
Também acredito que o capitalismo globalizado, sério e eficiente tenha grandes chances de dar sua contribuição, juntamente com a educação profissional. A partir do momento em que você cria uma massa produtora de mão de obra especializada, direcionada, e estimulada (controladamente) por produção e consumo, você começa a reduzir impactos de violência e aumenta sua cadeia de produção.
Com o aumento das taxas de emprego, escolaridade, melhores condições de moradia, saúde, higiene, você quebra espaços improdutivos, você quebra comunidades sem perspectiva, você reduz os índices de criminalidade.
Tanto é verdade, que em países desenvolvidos e industrializados como o Japão, Reino Unido, Coréia e Dinamarca, por exemplo, têm índices de criminalidade em sua juventude muito menores que os da América Latina.
Claro que uma coisa é a explosão da contestação da adolescência, do desafio ao poder, da provação, da violência resultante da falta de oportunidade de empregos, do racismo, do preconceito.
Porém, jovens de treze ou quatorze anos se armando com pistolas automáticas, influenciados por traficantes a roubar e trocar as mercadorias roubadas por drogas é um problema maior na América Latina.
No restante do mundo, jovens e crianças só empunham armas, em altos índices, quando se trata de guerra civil, guerra política ou guerra religiosa; e se olharmos para dentro desses países, enxergaremos a miséria, a falta de educação e a falta de perspectiva econômica como fator de influência, dominância e alienação.
Em sã consciência e partindo de um ambiente em que as regras de concorrência e disputa de mercado foram estabelecidas antes de se nascer, um jovem de dezoito anos que acaba de entrar para uma universidade, tendo a possibilidade de um emprego e uma promessa de construir uma carreira profissional não se empenhará em colocar um cinto com dez quilos de dinamite para explodir um ônibus ou um vagão de metrô abarrotado de gente. Tampouco irá para um semáforo roubar bolsas e sacolas por uns trocados que são trocados por craque.
Contudo, se pensarmos que a globalização, o crescimento econômico e o enriquecimento dos países for capaz de diminuir os impactos da criminalidade e da violência urbana, ainda teremos que esperar um pouco; ou muito, dependendo da região. E precisamos deixar claro que não falamos de erradicação do problema, mas sim em sua redução substancial.
Como influência direta, temos o sistema político, a democracia, e o controle da corrupção como peças fundamentais para sustentar essa linha de pensamento. Isto porque de um problema, nós temos uma toda uma cadeia que se forma ao seu redor, e direta ou indiretamente influencia a todos.
Antes de qualquer coisa é preciso iniciar uma discussão séria sobre o assunto, estabelecer uma proposta de atuação, dividida em níveis, e determinar uma equipe de comissão para gerenciar seu andamento e monitoramento, formada por pessoas ligadas aos órgãos públicos, empresários e profissionais liberais, e pessoas da comunidade em geral.
O sucesso de uma vitória como esta só acontecerá se tivermos uma equipe lúcida, dedicada e comprometida a fazer com que ganhemos, sem preconceitos ou brigas por coisas pequenas e atrasadas. Sempre acreditei na vitória, mas a vitória depende de um grupo, e não de ações e situações isoladas.
Precisamos criar uma rede inicial para discutir, estabelecer condições e, muito importante, divulgar o que estamos fazendo com um marketing maciço e eficaz, e trazer mais pessoas para esta batalha.
Ou seja, somente com as pessoas se envolvendo e participando, de fato, é que teremos chances reais de vencer. Acho melhor começarmos o quanto antes, pois nosso tempo está passando depressa, e águas que já passaram não voltam mais.