quinta-feira, 25 de junho de 2009

O Baú das Memórias – La vai uma Chalana – bem longe se vai...



Estou mexendo no baú das minhas memórias. Sei que sou novo ainda pra fazer isso, mas tudo tem se tornado obsoleto, ultrapassado, que já somos incapazes de lembrar como era a vida sem o celular e sem a internet. Insisto: não sou tão velho assim, mas a tecnologia e os tais tempos modernos têm feito nós desprezarmos como fazíamos para mandar um recado para a namorada (e tínhamos que ser criativos para agradar) ou mandar um alô para os amigos.

Os jovens de hoje não têm idéia de como se comunicar sem os torpedos, o MSN e o Email. Não é uma crítica, apenas uma constatação. Mas vamos lá. Sou um entusiasta da música. Ouço muito jazz, blues, gosto demais da Amy Winehouse, e acho que ultimamente ela tem desperdiçado seu talento, mas resolvi, não sei por qual motivo, relembrar as músicas sertanejas de quinze anos atrás. Quer dizer, o que eu ouvia há quinze anos, e para escrever este texto acabei por ouvir clássicos que foram sucesso antes mesmo de eu nascer.

Há muito que não ouço música sertaneja, estou me referindo aqui ao estilo típico do final dos anos 80 e início dos anos 90 do século passado. Os CDs que tenho deste gênero, posso assegurar que já tocaram muito em baladas, churrascos e festas que fizeram parte da minha juventude. Mas hoje estão no fundo do armário, pois agora meus arquivos e acervo estão em MP3, armazenados em meu computador e em meu pendrive.

De qualquer forma, pude ouvir e relembrar Chalana (coisa antiga mesmo), Toma Juízo, No dia em que saí de Casa, e até descobri alguns blogs, como do Leandro e Leonardo - e lá li que ontem fez onze anos da morte prematura e trágica de Leandro.

Lembrei também da morte brutal de João Paulo, parceiro de Daniel, e logo me vi nos shows que fizeram parte das minhas andanças, da multidão aglomerada na beira do palco, o chão de terra, e a cerveja no copo de plástico. Também pude ler um pouco da história de Inezita Barroso, Tonico e Tinoco, Almir Sater e do próprio Cornélio Pires, responsável por criar a base desse estilo. Cresci no interior de São Paulo, em Bauru, pra ser mais exato, e por mais que tivesse um gosto eclético, e colocasse o rock como minha preferência, vez por outra o estilo musical caipira se fazia presente, fosse em minha própria casa, ou em alguma festa, e até mesmo nas rádios.

Os mais compreendidos no assunto dizem que o berço desse estilo musical está na música de raiz, a música caipira ou a moda de viola, que hoje está transformada em música country, e voltou a fazer muito sucesso na mídia em geral.

Com origem na década de 10, do século XX (sim, são 100 anos de história), foi inicialmente radiografada pelo jornalista e escritor Cornélio Pires, natural de Tietê, interior de São Paulo e que mais tarde adotou a capital paulista como morada e local de trabalho, que retratava minuciosamente os hábitos e comportamentos dos habitantes do interior de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraná – em geral imigrantes europeus e de origem (raiz) rural. Etnógrafo e estudioso lingüístico da cultura e linguagem caipira, Cornélio aponta uma melodia ritmada com acompanhamento da viola, da sanfona e da gaita como sua base inicial.

Nas décadas seguintes, a moda de viola ronda todo o país, de forma regionalista e incorporando alguns instrumentos, como o violão, e novos ritmos musicais. Os shows na rádio passam a ser comuns em todos os estados, sempre com destaque para o Interior. Aos poucos vão nascendo clássicos como Chalana, Chico Mineiro, Tristeza do Jeca, composições que vivem até hoje com grandiosidade.

A transformação marcante dos gêneros a partir da moda de viola para o sertanejo tradicional ocorre na virada das décadas de 60 e 70 do século XX, com alguns personagens em seu auge, como Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, e Inezita Barroso, e, do outro lado, uma nova geração começando a despontar para o sucesso, como Sérgio Reis, Milionário e José Rico, João Mineiro e Marciano, e Chitãozinho e Xororó.

Uma década depois, a sua popularidade atinge seu topo, através dos versos gritantes e agudos das duplas sertanejas, com melodia melodramática e ingênua, garimpada do estilo romântico do século XIX, o estilo calça jeans agarrada e os cabelos compridos e despenteados. Na voz da dupla Chitãozinho e Xororó, a canção Fio de Cabelo se torna um clássico imbatível, lançada no disco Somos Amantes, em 1982, e vendendo quase 2 milhões de cópias. Um pouco mais tarde, se acrescentam a eles Leandro e Leonardo, e Zezé di Camargo e Luciano, também rumando para o sucesso retumbante.

A partir deles, a popularidade atinge patamares jamais imaginados, com recorde de vendas (discos de platina) seguidos, shows por todo Brasil e Exterior, liderança de audiência nas rádios e figuras constantes nos canais de televisão. Sucessos como Pensa em Mim, Entre Tapas e Beijos, e É o Amor viram mania nacional, bordões, canções publicitárias, discursos em serenatas de amor e são ecoadas diariamente nas vozes de milhões de brasileiros por todos os cantos do país, e não mais somente no Interior.

Mas, como tudo é modismo, após sua imensa repercussão nacional, conforme o final da década de 90 vai se aproximando, a sua popularidade vai caindo, esfriando o boom caipira. Logo, seus artistas passam a buscar uma nova forma de se reinventar, e a mesclar gêneros musicais, para garantir seu espaço na mídia e junto aos fãs.

Para o século XXI, é apresentado um estilo musical mais atualizado, com o ritmo acelerado, um pouco mais dançante e menos melodramático. São acrescentadas guitarras, o violino entra em cena, e até mesmo o piano acompanha, e os shows passam a ser superproduções com dançarinos e dançarinas profissionais, iluminação digna de um espetáculo internacional e os cenários se tornam mais interativos.
Novos nomes surgem, e hoje o gênero flerta com o country, com o rock, com a MPB, Axé, Forró, tudo para proporcionar ao seu público um estilo único. E parece que o resultado tem dado certo. Ao menos os fãs dão a impressão de que aprovam.

Revendo canções, recordando os seus significados, e ouvindo o que há de “moderno” hoje em dia, fiz uma viagem que não estava em meus planos. Uma viagem pelas porteiras da cultura brasileira, que atravessam as fronteiras do comum, do básico, e invadem o meu espaço. Eu poderia jurar que este assunto jamais estaria aqui, principalmente no meu primeiro momento. Mas, enfim, deixei o vento conduzir minhas palavras, e as vi descerem rio abaixo, levadas pela Chalana, carregadas de saudosismo e saudades.

Escrito por Alberto Granato.